sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Lá se foi a semanada... e outras considerações

Esta ideia de atribuir a mim mesma uma semanada tem piada, mas só até ao momento em que a gastas logo no início da semana e depois ficas sem dinheiro e acabas a pedir adiantamento da semanada seguinte.

 
 
Tenho de dizer aqui, publicamente, que a culpa é dos meus pais que nunca me deram semanada, nem mesada, e com isso não me ensinaram a lidar com o meu próprio dinheiro e a fazê-lo esticar. É claro que ter uma avó com os cordões da bolsa sempre abertos para a neta não ajudou. Mas pronto, a culpa é dos pais porque, independentemente do que eles façam ou deixem de fazer, todos os males - reais ou imaginários - de que os filhos padecem são sempre culpa dos pais, não há volta a dar.
 
Isto tudo para dizer que falhei redondamente no meu objectivo de não gastar mais de 10€ por semana. Na realidade, a intenção era não gastar um euro sequer e, no final da semana direccionar o valor "poupado" para o mealheiro, mas a curta visita a Portugal de uma amiga querida "obrigou" a um jantar inesperado logo na terça-feira, no sítio do costume - não, não foi na digníssima cadeia de supermercados que decidiu voltar a aceitar o pagamento com cartão de débito de compras inferiores a 20€, medida essa que nada tem a ver com a quebra nas receitas em 2014, claro, e somos todos idiotas.
 
O sítio do costume é um local fantástico, caseiro, onde se come muito bem e barato. Mas mesmo barato o valor ultrapassou a semanada estipulada e tive de pedir um adiantamento de 2,5€ a mim própria sobre a semanada da próxima semana. Ou seja, para a semana só tenho 7,5€ para gastar. Ou tinha. É que ontem tive um evento de networking à hora do jantar e o cheior das bifanas era tal que foi impossível resistir - o estômago já estava a dar horas e "saco vazia não aguenta em pé" diz a sabedoria popular. Resultado: Mais um adiantamento de 3€ sobre a semanada que se segue, o que significa que, na próxima semana, vou ter de me governar apenas com 4,5€.
 
O que é que isto me diz? Que tenho de aumentar a semanada para 20€! Ou, então, que tenho um sério problema de contenção de despesas e de sobreendividamento, até comigo própria, e que sou péssima a obedecer a regras, sejam elas estipuladas pelos outros ou por mim. É por isso que sempre disse que seria incapaz de ir para as forças armadas ou para as forças de segurança, sou demasiado rebelde, opinativa, desbocada e refilona para me dar bem num sítio desses. Ia passar o tempo todo a ser castigada - e consequentemente os meus colegas de recruta também - por reclamar das coisas que não me parecessem correctas e das ordens absurdas e que contrariam a lógica. Definitivamente, acatar ordens não, mesmo as minhas, não é para mim.
 
Mas a minha semana não ficou marcada apenas por isso. Além do ataque brutal ao Charlie Hebdo, que todos condenamos, esta foi também a semana em que morreu uma das pessoas mais queridas dos portugueses da minha geração - sim, porque os putos fazem lá ideia de quem seja - a Filipa Vacondeus. Olhando para trás, as tácticas utilizadas pela minha avó para me fazer comer assentavam, basicamente, em colocar-me em frente à televisão ou em pedir ao pai da minha melhor amiga para me dar a comida - sim, eu era uma peste e detestava comer, achava um desperdício de tempo porque em vez de andar a brincar tinha de estar sentada a mastigar coisas mais ou menos desagradáveis, e tinha o condão de desaparecer e meter o pátio todo à minha procura quando chegava a hora do almoço... coitada da minha avozinha que sofreu tanto comigo.
 
E quando a táctica da minha avó era sentar-me em frente à televisão, para eu estar distraída e assim ir comendo, invariavelmente o que estaria a dar era o programa da Filipa Vacondeus. Não sei se foi por a ver cozinhar todos os dias, ao longo de anos, se foi pela comida boa da minha avó, se foi pelas brincadeiras na cozinha do café de uma amiga de infância, onde fingiamos cozinhar, a verdade é que o gosto pela cozinha e pela comida - vá-se lá entender estas coisas - cresceu comigo e, actualmente, é um dos meus maiores prazeres: cozinhar e comer.
 
Não me lembro dos seus programas nem das suas receitas - o raio do alemão começa a afectar-nos cada vez mais cedo - mas o impacto que os mesmos tiveram em mim é subcutâneo e profundo, a um nível visceral que nem mesmo eu compreendo. Se a minha avó me visse hoje, não acreditaria que aquela menina franzina que fugia da comida como o diabo foge da cruz iria ser tão dedicada e amante da culinária como sou. Até os meus pais estranharam, porque achavam que eu não sabia estrelar um ovo e ia morrer a fome quando saí de casa.
 
Isto para dizer que temos muito pouco a noção de como as experiências por que passamos enquanto miúdos nos afectam quando adultos. Lembro-me de ver o Anthímio de Azevedo - outro ícone que morreu no final de 2014 e que me deixou um pouco mais pobre - a apresentar o tempo e de como nas aulas de geografia o que mais gostava era a análise das cartas meteorológicas, muito certamente influenciada pelas suas previsões diárias.
 
A pouco e pouco, os ídolos improváveis de uma geração vão-nos deixando e, sem eles, nós - e o país - ficamos mais pobres. Foram pessoas que ganharam o seu lugar nos nossos corações, pela sua simplicidade, por serem pessoas iguais a nós - como o eterno Sousa Veloso, engenheiro agrónomo e apresentador do mítico TV Rural que também nos deixou no final do ano passado -  e por serem profissionais dedicados de áreas que nada têm a ver com os ídolos de hoje, estrelas meteóricas de programas medíocres ou artistas de trazer por casa que são a referência de uma geração que será o futuro deste país. Resta saber que tipo de futuro teremos com estes modelos, mas isso pouco importa quando mal temos presente, quanto mais futuro.
 
E com isto me vou, que este post já vai longo. Até amanhã.

Adenda: Acabei de ler este artigo que fala precisamente sobre as mortes de pessoas mais ou menos mediáticas que nos marcam a vida. Excelente leitura.
 

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