sexta-feira, 21 de novembro de 2014

As mulheres são de Vénus, os homens são de Marte #1

O post de ontem foi sobre as (não) coincidências na nomeação de Anabela Rodrigues para nova ministra da Administração Interna (pode lê-lo aqui). Hoje vou falar do que se espera da senhora,  enquanto detentora de uma das pastas mais sensíveis, por ser aquela que diz respeito às forças de segurança nacionais e enquanto mulher - e é aqui que está o busílis da questão.

Na última semana, assistimos àquilo que muitos achavam que ia ser o início de uma remodelação profunda no Governo, a poucos meses das eleições que vão ditar os novos galos no poleiro, noção estranha tendo em conta que esta é a 11.ª vez que o primeiro-ministro remodela o Executivo. Para já, ficou-se pela nomeação da primeira mulher como ministra da Administração Interna (MAI) e os velhos coronéis já esfregam as mãos de contentes na expectativa de que o seu coração feminino seja mais suave do que o do seu antecessor.
Pastas importantes em cima da mesa que correm o risco de ficarem subterradas pelo pó, documentos pré-aprovados que deveriam ser publicados no próximo mês e agora não se sabe o que lhes vai acontecer e homens de barba rija e cabelo rapado à espera que a primeira mulher a assumir a pasta da Administração Interna faça jus à ideia que se tem de que as mulheres são mais sensíveis e dadas às causas sociais - e por isso são de Vénus, o planeta do amor - e lhes vão fazer as vontadinhas todas.
Mas antes, um à parte: que raio de história é essa das pastas? Nunca entendi este conceito. Será literal? Entra um novo ministro e o anterior dá-lhe uma pastinha com as chaves do escritório, o código do cofre, as senhas de refeição, o cartão de crédito com plafond ilimitado e contactos privilegiados em determinados círculos? E será a pasta diferente se se tratar de um homem a suceder ou uma mulher? Presumo que os contactos dos clubes só para homens não façam muito sentido neste último caso. E será a pasta uma daquelas fininhas, com elástico, ou um dossier com micas transparentes e separadores por áreas? Dúvidas existências que me assolam a mente em manhã de chuva.
Mas voltemos ao que interessa. As reacções à saída de Miguel Macedo e à nomeação de Anabela Rodrigues para o seu lugar não tardaram, principalmente da parte de quem se vê mais afectado por esta alteração: as forças de segurança pública, os bombeiros e a protecção civil.
 
A ministra ainda nem teve tempo de se sentar na cadeira ainda morna de Miguel Macedo e já a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) dizia ser "fundamental que a nova ministra da Administração Interna inicie de imediato as negociações sobre o estatuto profissional da PSP para resolver os problemas desta polícia", revela a agência Lusa. Epá, vamos lá com calma, a senhora ainda agora chegou e eles já querem que ela resolva aquilo que em anos os seus antecessores não resolveram. É aquela ideia que os homens têm da mãe super-mulher que os educou e que sempre se desdobrou em milhentos afazeres e, como tal, esta não será excepção e pode começar já a meter a casa em ordem.
 
Não estou a pôr em causa a necessidade de se resolverem os problemas que as nossas forças de segurança enfrentam. Afinal, para o trabalho que fazem e os riscos que correm, são mal pagos e não lhes é dado o devido valor. Mas as declarações de que mais gostei foram as do presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares.
 
Disse o senhor, em declarações à imprensa, que "atendendo a que é a primeira vez que uma senhora dirige o Ministério da Administração Interna e as senhoras têm uma certa sensibilidade para as áreas da solidariedade e do humanismo, que é a vertente que os bombeiros defendem, espero que isso seja algo de importante e que permita facilidade de diálogo e facilidade de negociações (...)".
 
A sério, alguém se riu tanto quanto eu quando ouviu isto? Ora então quais são as premissas destas desclarações? Anabela Rodrigues é mulher - até ver, confirma-se -, é a nova ministra da Administração Interna - certo -, as mulheres "têm uma certa sensibilidade para as áreas da solidariedade e do humanismo" - então, por oposição os homens são todos uns brutamontes insensíveis que não querem saber de causas sociais para nada - , logo, a nova ministra vai ser mais sensível às reivindicações dos bombeiros. WTF?
 
Eu, se fosse homem, estava já a rabujar, em especial se fosse o ex-ministro Miguel Macedo. É que apesar de as conversações entre o MAI e os bombeiros estarem a correr bem, o presidente da Liga desvaloriza o papel do ex-ministro com base única e exclusivamente no seu género. E de uma assentada desvaloriza a sensibilidade e a dedicação à causa social de todos os homens que trabalham no terceiro sector, bem como de todos os bombeiros de quem é presidente. Além de minimizar a posição da ministra ao pintá-la como a mulher sensível (e, talvez, fraca) que tem pena de todos e por isso vai fazer o bem.
 
O senhor anda a ler jornais? Vê notícias? Sai à rua? Já viu bem como se comportam as mulheres hoje em dia? Não sabe ele que as mulheres são fortes, decididas, empreendedoras e, para muitos homens, castradoras precisamente por terem tido de se aproximar do estereótipo masculino para vingarem profissionalmente? As mulheres são cada vez menos de Vénus e cada vez mais de Marte e os homens não sabem o que fazer quanto a isso. É que Marte é um planeta onde só há espaço para um alfa, e este é, cada vez menos, a espécie masculina.
 
O que achou das declarações do presidente da Liga dos Bombeiros? Acha que o género da nova ministra vai fazer com que ela seja mais sensível às causas sociais?
 

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